Luciane Bernardes
Scheila estava no isolamento do hospital, sozinha, mil coisas na cabeça. Fim de casamento, ainda tinha um fio de esperança de salvar aquela relação, mas agora só podia pensar em salvar-se.
Lembrou de como tinha a vida dela tinha tomado um outro rumo nos últimos meses. Estava tudo bem, ela vivendo sua vida familiar tranquila, o trabalho indo bem, o casamento naquela fase de paz. Antônia com cinco anos, já não dava tanto trabalho. O marido viajando bastante, mas nenhuma novidade nisso, ela terminando o doutorado, enfim tudo parecia uma propaganda de margarina.
Um dia notou um perfume diferente no terno do marido, doce, de mulher, ficou intrigada e furiosa. Mal o marido saiu do banheiro, ela começou a indagar o que ele tinha feito, onde tinha ido, se havia alguma colega nova no escritório, ele respondeu com evasivas. Ela não acreditou nas respostas, mas estava finalizando a apresentação para o doutorado e resolveu pensar nisso depois. O marido tentou compensar algum desconforto, ficou algumas semanas em casa, apoio-a durante a apresentação da sua tese e fizeram bons programas em família.
Até que em uma terça-feira abafada Scheila desmaiou, sentiu uma tontura, uma sensação ruim e caiu no meio da faculdade. Levaram-na para o hospital, chamaram o marido, e fizeram diversos exames, os resultados estavam bons, mas tinha uma pequena alteração na tireoide que causou preocupação nos médicos.
Dias depois o diagnóstico veio como uma bomba, câncer, em estágio inicial. Ficou em choque, a filha era tão pequena para ficar sem mãe, pensava no pior, os médicos tiveram que convencê-la que o prognóstico era muito bom. Notou que o diagnóstico impactou o marido de um jeito diferente, parece que ele se ressentiu com a sua doença. Afastou-se dela, como se fosse algo contagioso. Começou a chegar tarde em casa, e não participou mais das consultas para planejar o tratamento. Ela reclamou direitos de esposa, não era para ser na alegria e na tristeza? E as promessas lhe pareceram vazias demais.
Agora estava ali deitada naquela cama de hospital, só podia contar com seus pais. Seu marido, tinha ido viajar justo na semana do tratamento. Uma amiga havia lhe enviado alguns áudios de meditação, estava tentando ocupar a mente. O tratamento se chamava braquiterapia e consistia em receber uma grande dose de radiação direto na tireoide, e isso requeria que ela ficasse só e isolada das pessoas, por sete dias. Estava calma, parecia tudo bem até que sentiu o telefone vibrar, uma mensagem de destinatária desconhecida: oi, doentinha, se não sabe segurar um homem pela cama, vou te ensinar, mas é melhor deixar ele ir... leu e não teve forças de reagir, a única briga que merecia ser levada a sério era aquela que estava acontecendo entre as suas células. Odiou a remetente, pensou, que vaca cruel!
Praguejou, brigou com Deus, queria a sua vida de antes de volta, mas sabia que a revolta era inútil, viveu o inferno nos dias de isolamento, sozinha chorou e esvaziou toda a dor por aquele amor. Sabia que precisava reagir, tinha a Antônia e isso era motivo de sobra.
A separação foi inevitável, a mágoa perdurou ainda por alguns meses. Aos poucos foi se refazendo, se retomando, física e mentalmente, foi se curando de tudo.
Um ano depois, o ex-marido casou-se com a remetente da mensagem. Segundo a ex-sogra, a noiva era uma jovem vulgar e cheia de vontades e ainda por cima, loira, um clichê de amante que viraria esposa.
Um dia o marido manda uma mensagem, queria falar com ela, ela queria saber do que se tratava, ele disse que era para tratar da venda da casa, ela aceitou recebê-lo em casa.
Antônia estava na aula, ele chegou lindo como sempre, aqueles olhos azuis pelos quais ela tinha se apaixonado, estavam mais brilhantes ainda. Ela sentiu um frio na barriga, sempre tiveram uma relação arrebatadora, o sexo do início era incrível, a conversa mal começou e terminou na cama. Ela ficou aturdida, tinha sido traída pelo próprio desejo, mas secretamente comemorou uma vitória contra tudo que tinha vivido antes. Jurou não repetir o remake, mas isso aconteceu por alguns meses. Ele dizia que sentia falta da família, que a novidade tinha passado, que a esposa era mimada demais e que o sexo agora era raro, porque a mulher estava sempre cansada. Ela aproveitava a sensação de ser a outra e sentia-se um pouco vingada. Até que esse amargo começou a lhe fazer mal e ela decidiu seguir a vida, o ex que se resolvesse com a jovem esposa.
Um dia Antônia chegou em casa, contando que a madrasta tinha passado mal, muitas dores no corpo. O pai estava preocupado, quase não conseguiu lhe dar atenção.
Nas semanas seguintes soube que o mal-estar da loira piorou e Scheila pensou que nada como um dia depois do outro, quem sabe era a vida cobrando a língua. E era. Entre o diagnóstico de câncer e a morte, um mês. Tudo que vai volta, não precisa de troco.